quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

É hoje que Sinto aquilo que Fui...


Esta frase de Fernando Pessoa me fez descobrir o valor que minha infância tem sobre mim. É no hoje que eu vejo refletido o amor que recebi de meus avós, pais, tios, professores... É hoje que eu contemplo a minha infância com os olhos de quem lê histórias encantadas e sente que tudo é possível e que o pó de pirlimpimpim é feito de amor!

Partilho com vocês um conto que escrevi falando um pouco desse meu tempo. Agora o texto está aqui na íntegra =)

Portas do Céu

Eu gosto de todas as estações, principalmente da primavera. Lá, na estação da minha infância, quando a primavera desabrochava, eu lembro que na floresta onde ficava a casa dos meus avós, eu adorava andar entre as árvores para ver as portas do céu
que se abriam bem de manhãzinha quando o sol ia nascendo.
Eu via seus raios se espreguiçando por entre aquelas enormes Imbúias e imaginava que Deus havia aberto as portas do céu... E na minha imaginação eu entrava e passava meus dias de férias lá, com Ele. Eu subia em árvores, comia frutas do pé, apreciava as flores do campo, brincava com os girinos deitada a beira do rio e com os terneirinhos correndo nos campos.

Meus avós me davam a mão e o colo e meu primo Tuca era meu anjo companheiro naquele pedacinho de céu a brincar comigo. E nossas brincadeiras eram como aquelas aventuras do Pedrinho, que o senhor Monteiro Lobato contava no Sítio do Pica-Pau Amarelo. Claro, não tínhamos o pó de pirlimpimpim mas tínhamos o sótão da casa de meus avós, que era um verdadeiro passaporte para um mundo de aventuras. Lá, embalados pelas estórias de assombração da infância de minha mãe, que também viveu ali, e juntando mais as nossas, coragem era o que não nos faltava para estarmos ali.

Certa vez resolvemos desafiar nosso medo e passar uma noite lá no sótão, onde havia três quartos cheio de coisas antigas e fotos e mais fotos penduradas em quadros nas paredes. Aquelas pessoas nas fotos eram todas parentes, mas nunca sabia quem era quem pois já haviam falecido.

Bom, a noite chegou e com ela a escuridão. Escuridão que parece ser maior no interior pois não há ruas próximas e nem postes para iluminar o quarto lá de fora, só há os vagalumes e o luar mesmo. Mas aquela noite nem isso tinha. Para acalmar o medo começamos a brincar de achar músicas em palavras, isso ajudou por um tempo. Minha irmã mais velha, Ana, estava conosco e também entrou na brincadeira. Foi legal! Mas, de certa hora em diante aquilo perdeu a graça e ela começou uma outra brincadeira que para mim e meu primo não teve a menor graça.

Como a Ana sempre foi metida a corajosa, ela começou a nos assustar inventando estórias sobre aquelas pessoas que estavam nos quadros. Eu e o Tuca ficamos de olhos arregalados em direção as paredes do quarto e mesmo em meio a escuridão juro que víamos os olhos daquelas pessoas nos olhando. Mal respirávamos de tanto medo e a nossa imaginação ia dando asas a mil fantasmas. De repente começamos a ouvir um barulho. Eram passos leves que vinham em direção do quarto em que estávamos. Nosso coração essa hora batia na boca, até minha irmã ouviu e ficou em silêncio. O negócio é sério, pensei, porque quando minha irmã ficava quieta ela também estava com medo. Meu primo essa hora já chorava e dizia que não queria morrer quando de repente dois olhos luminosos saltam em direção a janela ao lado de minha cama. Nossa! Foi o maior grito que já dei em minha vida. Não é que um gato infeliz estava escondido lá em cima? Minha irmã caiu na risada, meu primo no choro e eu com o coração na mão voei para debaixo das cobertas. E se não bastasse o susto, aparece minha vó dando o maior xingão em nós três. E o gato? Sumiu naquela escuridão, o bonito! Quando olhamos pela janela só enxergamos seus olhos reluzentes na noite adentro olhando para trás, rindo de nós, com certeza!

Mas as estórias não são só de assombração. São de amor, carinho, risadas, choro, amizade, brigas, trabalho e estudo também, sempre em meio as portas abertas do céu.
Desde então, cada vez que eu vejo os raios do sol por entre árvores, nuvens e flores, lembro das portas abertas do céu
que eu entrava na estação de minha infância e brincava com Deus na casa dos meus avós maternos, Emílio e Maria.

Hoje, na estação da vida cotidiana, continuo vendo as portas do céu se abrindo através do amor que meus pais sentem por mim; do sorriso das crianças e de suas palavras tão espontâneas e verdadeiras; da presença dos amigos que "brincam de viver" comigo; do meu trabalho que me ajuda a ser um pouco melhor a cada dia e que me ajuda a partilhar a vida; da natureza (pois eu não sei o que seria de mim sem o mar, as flores, os pássaros, as estrelas...); das palavras - que eu tanto valorizo; do silêncio do meu ser que por amor se alegra e se entristece, sorri e chora.
E em meio a tudo isso vejo que Deus cresceu comigo, mas seu amor e paciência continuam iguais.


Bjs a todos que passarem por aqui!

4 comentários:

Vanuza Pantaleão disse...

Que vida interior mágica que possuis, amiga! Tudo vem mesmo dessa infância, avós, histórias de Monteiro Lobato. Tudo, tudo é magia e beleza para quem tem olhos de ver. E você os tem.
Um final de semana encantador e belos sonhos!!!Bjsss

Beth Cerquinho disse...

Drika minha flor,vc é privilegiada por crecer assim tão estruturada.
Essa magia dos teus textos, delicadesa dos teus contos, e até as gargalhadas incontidas no meu blog..parabéns minha amiga...amo ler vc..
Bjka e um domingão de descanso.

Ahab disse...

Mais é uma graça essa Drika. Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh Gato mal. rsrs...

Essa história das portas do Céu eu já tinha lido aqui mesmo no teu blog. rsrs... Sobre as folhas das árvores.

Direto do Rio.
Beijão linda e iluminada.

...Drika disse...

Sim Léo... =) vc já leu, sim. Mas este é aquele conto que lhe falei, lembra? O que foi escolhido... só que este tá mais na integra, eu acrescentei mais coisas, tá diferente =))
Bjão amigo... fica com Deus!